sexta-feira, 21 de maio de 2010

Conheça o Bessinha


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Bessinha, codinome de Roberto Bessa de Siqueira, veio ao mundo através de uma parteira em Campo Florido-MG, pertinho de Uberaba, onde foi criado desde um ano de idade. Em Uberaba, andou pralá e pracá até aos 13 anos quando começou no jornal “Correio Católico” batendo notas de falecimento nas teclas de uma “Seletta – da Remingtton. Aos 15 anos foi pra rua, no bom sentido, ou seja, virou repórter. Tempos depois, deu outra virada e passou a editor e chargista do “Jornal de Uberaba” até se formar em Odontologia...”
(texto completo aqui)
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ó aí umas charges do Bessinha:


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terça-feira, 18 de maio de 2010

Faz de conta que...

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“A criação do mundo não terminou até que P’an Ku morreu. Somente sua morte pôde aperfeiçoar o Universo: de seu crânio surgiu a abóbada do firmamento, e de sua pele a terra sobre os campos; de seus ossos vieram as pedras, de seu sangue, os rios e os oceanos; de seu cabelo veio toda a vegetação. Sua respiração se transformou em vento, sua voz, em trovão; seu olho direito se transformou na Lua, seu olho esquerdo, no Sol. De sua saliva e suor veio a chuva. E dos vermes que cobriam seu corpo surgiu a humanidade.” (Mito chinês de P’an Ku, extraído de Marcelo Gleiser, A Dança do Universo; Cia das Letras, 2003)
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“No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo (etc, etc...)” (Bíblia Sagrada, Gêneses, capítulo I - você pode, se quiser, ler a íntegra aqui)
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(Gosto mais do mito de P'an Ku. É mais espontâneo, menos prolixo, mais gracioso, mais razoável...)

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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Brincando com palavras

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Desenho de Manoel de Barros (fonte)
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"Tenho gosto de lisonjear as palavras ao modo que o
Padre Vieira lisonjeava. Seria uma técnica literária
do Vieira? É visto que as palavras lisonjeadas se
enverdeciam para ele. Eu uso essa técnica. Eu
lisonjeio as palavras. E elas até me inventam. E elas
se mostram faceiras para mim. Na faceirice as palavras
me oferecem todos os seus lados. Então a gente sai
a vadiar com elas por todos os cantos do idioma.
Ficamos a brincar brincadeiras e brincadeiras. Porque
a gente não queria informar acontecimentos. Nem
contar episódios. Nem fazer histórias. A gente só
gostasse de fazer de conta. De inventar as coisas
que aumentassem o nada. A gente não gostava de fazer
nada que não fosse de brinquedo. Essas vadiagens pelos
recantos do idioma seriam só para fazer jubilação
com as palavras. Tirar delas algum motivo de alegria.
Uma alegria de não informar nada de nada.
Seria qualquer coisa como a conversa no chão entre
dois passarinhos a catar perninhas de moscas. Qualquer
coisa como jogar amarelinha nas calçadas. Qualquer coisa
como correr em cavalo de pau. Essas coisas. Pura
jubilação sem compromissos. As palavras mais faceiras
gostam de inventar travessuras. Uma delas propôs que
ficássemos de horizonte para os pássaros. E os pássaros
voariam sobre o nosso azul. Eu tentei me horizontar
às andorinhas. E as palavras mais faceiras queriam
se enluarar sobre os rios. Se ficassem prateadas sobre
os rios falavam que os peixinhos viriam beijá-las.
A gente brincava no prateado das águas. A mais pura
jubilação!"
Manoel de Barros, Memórias Inventadas - A Terceira Infância; Planeta, 2010
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Alegrias, alegrias!!!

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Agora o Serra poe fogo na Sensus

Dilma em primeiro

A consagração de Lula

Lula, direto de Teerã

Sensus confirma Vox Populi: Dilma na dianteira

Chupa, que é de pistache!

Dilma na liderança

Um outro mundo, mais do que possível, é necessário

Coisa linda!


(...e a propósito de tanta alegria, coisa linda é você!...)
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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Reflexões sobre o desejo

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"Há duas tragédias na vida.
Uma é a de não obter o que se deseja ardentemente;
a outra, a de obter".
(Bernard Shaw, em Homem e Super-Homem)
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O que se busca, afinal?

Qual é o foco do desejo?

Será o desejo um projeto, ou será um sonho? Ou uma fantasia, talvez?...

Não importa o nome que se dá.
Importa que, no momento em que o objeto do desejo é alcançado, o desejo deixa de existir; no instante em que a meta é conquistada, a busca não existe mais.
Um projeto persiste enquanto não se realiza.
Um projeto, ou um desejo, ou uma fantasia, tudo se constrói sobre o que não é real, sobre o que ainda não é real.
Até que, no exato momento em que se realiza...
No momento em que se encontra o que se buscava, a busca não existe mais; quando se consegue o que queria, já não se quer mais...
Sim, porque não se pode mais desejar o que já se tem!
O desejo necessita de objetos permanentemente ausentes.
Não é ‘isso’ ou ‘aquilo’ que se quer; o que se quer é a fantasia sobre ‘isso’ ou sobre ‘aquilo’.
É o desejo ‘disso’ e ‘daquilo’ que move a vontade.
Ser feliz é desejar.
A felicidade mora no futuro.

“A caçada é mais doce que a matança”,
ou ainda, “cuidado com o que você deseja...”

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(De resto, uma contraditória: a bem da verdade, e a despeito de tais reflexões, fundamentadas em juízos e conceitos lacanianos (*), é sempre possível renovar o desejo... E, sim, é possível desejar sempre, se sempre é agora)

(*) Jacques-Marie Émile Lacan
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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Essência

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Há uma lenda sobre os elefantes. Dizem que eles nunca esquecem.

De fato, sabe-se que o animal, depois de migrar a primeira vez com o grupo em busca de água e pastagem, jamais esquecerá o caminho, ainda que não o percorra durante muitos anos. Há registros desse fenômeno, mas nada que o relacione com uma suposta extraordinária memória.

É sabido que nós, seres humanos, somos dotados de uma admirável capacidade de memorização, maior que a de qualquer elefante. Todavia, somos incapazes de memorizar sequer uma parcela das informações às quais temos acesso, sobretudo porque no nosso repertório há uma infinidade de elementos, muito mais do que um simples trajeto, ou a localização de uma boa fonte de água.

Assim, desde a pré-história, o homem procura meios para armazenar as informações e salvaguardá-las da volatilidade da memória. Dos tabletes de argila com a escrita cuneiforme dos sumérios, aos modernos recursos digitais do Bill Gates, o salto foi gigantesco. Hoje, todo o conteúdo de uma enciclopédia, como a Britânica e os seus 32 volumes, cabe na palma da mão, armazenado sabe-se lá por qual sortilégio de recursos tecnológicos – obscuros ainda para muitos; para outros, simples como um sistema binário.

Eis, portanto, a questão: quando vai parar?... Ou: vai parar?..., se ano após ano aumentam-se de megabytes para gigabytes, e destes para terabytes, sob os auspícios de processadores cada vez mais velozes montados em equipamentos cada vez menores. Quem viver, verá... Até lá seguimos produzindo informação como nunca antes na história deste planeta.

Quanto aos elefantes?... Bem, sabe-se muito sobre eles, como muito se sabe sobre quase tudo o que há. Deles, dos elefantes, só não se sabe o principal, o essencial... Como, de resto, sobre quase nada se sabe...
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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Clarice

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O autor

“Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo…
Por que escrevo? Antes de tudo porque captei o espírito da língua e assim às vezes a forma é que faz o conteúdo.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever.
Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, mas não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.
Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados.
Na verdade sou mais ator porque, com apenas um modo de pontuar, faço malabarismos de entonação, obrigo o respirar alheio a me acompanhar o texto.
Antecedentes meus do escrever? sou um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim de algum modo um desonesto.
Sim, não tenho classe social, marginalizado que sou. A classe alta me tem como um monstro esquisito, a média com desconfiança de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca vem a mim.
Também eu não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.
Meu material básico é a palavra. Assim é que esta história será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases.
As coisas acontecem antes de acontecer… cada coisa é uma palavra. E quando não se a tem, inventa-se-a.
Tudo no mundo começou com um sim.
Sempre e eternamente é o dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje, a eternidade é o estado das coisas neste momento… cada dia é um dia roubado da morte.
(Os fatos são sonoros, mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro que me impressiona. Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo).”

A história

"Assim é que experimentarei contra os meus hábitos uma história com começo, meio e ‘gran finale’ seguido de silêncio e de chuva caindo… e é claro que a história é verdadeira embora inventada.
Afianço também que a história será igualmente acompanhada pelo violino plangente tocado por um homem magro bem na esquina.
O que escrevo é mais que invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre milhares delas. E dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a vida.
Pois reduzira-se a si (também eu, de fracasso em fracasso, me reduzi a mim, mas pelo menos quero encontrar o mundo e seu Deus – esse vosso Deus que nos mandou inventar).
Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço… (cara de tola, rosto que pedia tapa).
Nascera inteiramente raquítica, herança do sertão… Com dois anos lhe haviam morrido os pais de febres ruins… Criada pela tia beata.
Do contato com a tia ficara-lhe a cabeça baixa.
A tia lhe ensinara que comer ovo fazia mal para o fígado. Sendo assim, obediente adoecia, sentindo dores do lado esquerdo oposto ao fígado… nem tudo se precisa saber e não saber fazia parte importante de sua vida.
Como ela, há milhares espalhadas por cortiços… Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiriam como não existiriam. Poucas se queixam e ao que eu saiba nenhuma relcama por não saber a quem? Esse quem será que existe?
Sei que há moças que vendem o corpo… Mas a pessoa de quem falarei, mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ele é virgem inócua, não faz falta a ninguém… incompetente para a vida.
Faltava-lhe o jeito de se ajeitar.
Ela que não parecia ter sangue a menos que viesse um dia a derramá-lo.
Talvez já tivesse chegado à conclusão de que vida incomoda bastante, alma que não cabe no corpo, mesmo alma rala como a sua.
Vagamente pensava de muito longe e sem palavras o seguinte: já que sou, o jeito é ser.
Não sabia que era infeliz.
Essa moça não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz.
E achava bom ficar triste… aquela coisa indefinível como se ela fosse romântica.
(Mas) ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.
...nunca lhe ocorrera que sua vida fora tão ruim.
…nunca tinha tido coragem de ter esperança.
…pela primeira vez ia ter um destino.
Então ao dar o passo de descida da calçada para atravessar a rua, o Destino (explosão) sussurrou veloz e guloso: é agora, é já, chegou a minha vez!
Atropelada!
…e da cabeça um fio de sangue inesperadamente vermelho e rico.
Não vos assusteis, morrer é um instante, passa logo, eu sei porque acabo de morrer com a moça.
Silêncio.
O silêncio é tal que nem o pensamento pensa.”
“E agora – agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – mas eu também?!
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.”

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Os textos acima foram montados a partir de excertos recolhidos aleatoriamente de “A Hora da Estrela”, penúltimo romance e último livro publicado em vida pela escritora Clarice Lispector.
Só mesmo a densidade de um livro com tantas vertentes, que situa a própria linguagem no plano do enredo (e com ela, a existência e a sociedade), pode se prestar a tal exercício de síntese. O autor – alheio o ‘deus’ que escreve, e que é o próprio ato de escrever – é personagem a narrar a história de outra personagem – alheia à própria existência. Do ponto de vista do ‘deus’ que escreve, a linguagem se situa num plano intermediário para fazer parte da história.
E por trás de tudo isso, a escritora, Clarice Lispector.
Sobre ela, ela mesma:

"Há um silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras.”

"…que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."
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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Ode ao Umbigo

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Tarde mansa de quinta, céu de um azul frio, dia morno – nem segunda, nem sexta...
Aí, saiu este poeminha:

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Ode ao Umbigo

Sou menino e sou amante
Sou poeta e passarinho
Se sou completo num instante,
No outro, eu sou sozinho

Posso ser dor ou prazer
Ser sonho ou realidade
Mas tudo o que eu posso ser
É a mentira... Ou a verdade?...

Sou pequeno ou sou gigante
Sou fácil ou complicação
Sou caminho e sou cantante
Às vezes eu sou canção

Sou todo feito de vida
Desta vida que se vai...
Sou a cura e a ferida
Sou filho, e também sou pai

Algumas vezes sou medo
Outras, eu sou a paz
Inconfidente e segredo
Sou o que o tempo me faz

Posso falar, ficar mudo
Chorar ou dar gargalhada
Pois se há dias que sou tudo
Hoje, eu sei que sou nada...
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terça-feira, 4 de maio de 2010

E falando de arcaísmos...

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A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada...
(Manuel Bandeira, Libertinagem, Evocação do Recife, 1925)

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Cuidado! Referir-se como “erro” (aspeado), de um modo lacônico e sentencioso, a aspectos do português-não-padrão pode ser um tremendo erro (sem aspas)! Por exemplo: boa parte daquilo a que se costuma atribuir o rótulo de “erro” não é mais que uma herança, um vestígio de outras épocas – este é, precisamente, o caso dos assim chamados arcaísmos, o tema deste ensaio.

Arcaísmo: substantivo masculino. 1. Rubrica: linguística. Palavra, expressão, construção sintática ou acepção que deixou de ser usada na norma atual de uma língua [Em linguagens especiais, é comum a sobrevivência de algumas formas arcaicas (p.ex., na linguagem forense, na linguagem regional, entre locutores de idade avançada etc.); também podem ser utilizadas como recurso para recriar a atmosfera de uma época (p.ex., no romance histórico)]. (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa; destaques meus)

Perceba-se que a definição do léxico sequer se avizinha de uma qualificação do fenômeno como “erro”; ao contrário, transige na sobrevivência do arcaísmo, quer como característica de linguagens especiais, quer como recurso literário.

Na linguagem regional brasileira, de norte a sul, e como bem assinalou o mestre Houaiss na sua primeira acepção do termo, é comum a incidência de arcaísmos. A razão da permanência destes traços antigos, sobretudo na fala regional, remonta à colonização. As marcas linguísticas do colonizador português que aqui aportou no século XVI são, curiosamente, mais parecidas com o falar ‘brasileiro’ atual que propriamente com o português hoje falado em Portugal – trocando em miúdos, o modo de falar de Cabral e Caminha era mais parecido com o do nosso falador comum do que com o do ‘seu’ Manuel, o português da padaria. Lá, na Corte, no último meio milênio, a língua experimentou um ritmo maior de modificações; aqui, na Colônia, manteve-se intacta por mais tempo. Por aqui, apenas no século XIX intentou-se abandonar esses aspectos antigos do português herdado dos primeiros colonizadores, numa cruzada a qual Manuel Bandeira, com ironia e autocrítica, iria se referir mais tarde como “macaquear a sintaxe lusíada”. No português-padrão, sob a batuta dos gramáticos e dos acadêmicos, alcançou-se o tal intento. Mas muitos aspectos arcaicos se conservaram nas variedades do português-não-padrão, especialmente nos regionalismos, porque a língua do povo simples, interiorano, é mais arcaizante que nas grandes cidades (pelas mesmas razões que foi mais arcaizante na Colônia do que na Corte). E conservaram-se, também, na literatura, notadamente após o movimento Modernista, pois assim pretendia a revolução estética e ideológica daquela corrente literária (vide a obra de Manuel Bandeira, Guimarães Rosa, Drummond, Mário e Oswald de Andrade, e tantos outros).

Um dos exemplos mais comuns de arcaísmos nas variedades do português-não-padrão são aqueles verbos que a fala regional ‘insiste’ em apor (e reserve este verbo) a letra ‘a’ no começo: "alembrar", "arreparar", "arrodear", "avoar" etc. O que se tem aqui é uma herança do latim – ele, outra vez. Ocorre que a preposição latina ‘ad’ era utilizada, naquela língua, para formar novos verbos, dada sua vasta gama semântica: “perto de”, “junto a”, “até” etc. Daí, de ad + prendere, surgiu nosso “aprender”; de ad + correre, o “acorrer”; de ad + fluere, o “afluir”; e de ad + ponere, o nosso “apor” (que reservamos ali acima). E a lista de exemplos é vasta; tão vasta quanto foi, durante muito tempo, no português de Portugal. A retirada do ‘a’, irmão mais novo do ‘ad’ latino, dos verbos no português padrão d’além mar, representou uma tentativa dos filólogos portugueses de definir uma língua oficial, mais pura, mais culta, literária... O problema é que, como sói acontecer com as mudanças artificiais, impostas a partir da iniciativa de um grupo seleto e pouco representativo, esta tentativa não ‘colou’ de imediato no meio popular – afinal, naquela época, o povo mal sabia ler ou escrever. O tempo passou, e mesmo o falador comum lusitano, sob a pressão da gramática, acabou por agregar à sua fala as mudanças pretendidas. Ocorre que, quanto mais distante do local de origem, mais arcaísmos há na língua – e é este o nosso caso, como Colônia que fomos; e é o caso do linguajar do interior, cujo ritmo de mudança é mais lento que nas grandes cidades.

Além do fenômeno ‘a’ iniciando verbos, existem muitos outros arcaísmos mantidos no português-não-padrão, seja no vocabulário, seja na sintaxe. De arcaísmos no vocabulário, temos, por exemplos: o “entonces”, do latim entonce; o “despois”, de de ex post; o “escuitar”, de ascultare. Na sintaxe, o uso da preposição "de" regendo o verbo chamar: “Ele me chamou de ignorante”, enquanto a norma clássica ordena: “Ele chamou-me ignorante” – o que retumba no ouvido interno, no mínimo, afetado.

Outro: o nosso uso tão comum do gerúndio em construções do tipo estou escrevendo, estou falando, estou indo é, para os portugueses, um brasileirismo, pois lá se diz estou a escrever, a falar, a ir... Mas isso é lá, ora, pois! E lá, antigamente, falava-se e escrevia-se como aqui, agora – Camões (ele de novo, nada menos que o fundador do português literário) usa, o tempo todo, o nosso eficaz, o nosso natural, o nosso gostoso de se falar, o nosso gerúndio... E se é um arcaísmo, que o seja! Causa espécie, portanto – ou asco mesmo, para ser menos pretensioso –, ouvir de figuras públicas que se arvoram cultas e letradas a ostentação de construções como “estou a prejulgar", ou "estou a falar com a imprensa”, ou ainda “estou a conceder habeas corpus aos amigos”, ou mais “estou a chamar as falas o Presidente da República”, e por aí foi... Longe de trescalarem cultura, ou de representarem um presumido domínio da própria língua, estas são – e falo do modo mais elegante possível – claras manifestações de puro pernosticismo.
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Ultima e importante observação: uma coisa é o uso natural do gerúndio – que sempre existiu na língua portuguesa –; outra coisa é aquele recente fenômeno que causa estranheza, quando não repulsa, aos ouvidos mais sensíveis: o tal “gerundismo” (entre aspas por causa do uso inadequado do próprio termo). Neste caso, o problema não é o gerúndio, mas o uso de vários verbos auxiliares encadeados. Em "o senhor pode estar aguardando na linha" ou "eu vou estar falando com o supervisor", há um acúmulo de auxiliares, quando, segundo alguns, bastaria dizer "o senhor pode aguardar" ou "eu vou falar".
Sobre este fenômeno, e antes de condená-lo, lacônicos e sentenciosos, saibamos mais aqui.
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