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Em dezembro passado, o procurador substituto do MPF em São Paulo, Pedro Antonio de Oliveira, notificou o Banco Central do Brasil a apresentar defesa em representação por “ofensa à laicidade da República Federativa do Brasil” por manter o termo “Deus seja louvado” nas cédulas de Real. O fato gerou polêmica. A propósito da despropositada controvérsia, sugiro a leitura do artigo Tomemos a sério o princípio do estado laico, de Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, advogado especialista em Direito Constitucional pela PUC de São Paulo e mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru.
Após ponderada e cuidadosa leitura, e por mais “entusiástico” que possa ser o leitor, creio que determinados argumentos em defesa da referida inscrição nas cédulas de real, tais como: “deus está acima das religiões”, “antigamente tinha búzios nas notas e o Brasil estava no fundo do poço”, “nosso senhor deve ser louvado e adorado em todo lugar e em todo momento”, serão evitados.
Transcrevo, a seguir, os dois primeiros itens do trabalho, de caráter introdutório e explicativo (os itens); e, logo depois, o link para o artigo completo. Trata-se de um texto longo, mas de fácil compreensão, de modo que pelo equilíbrio e objetividade com os quais o autor analisa a questão, sobretudo nestes tempos de desatinos e digressões, vale a pena.
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Tomemos a sério o princípio do Estado laico
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti
O Brasil é um Estado Laico, o que significa que não se confunde com nenhuma religião, não adota uma religião oficial, permite a mais ampla liberdade de crença, descrença e religião, com igualdade de direitos entre as diversas crenças e descrenças e no qual fundamentações religiosas não podem influir nos rumos políticos e jurídicos da nação.
1. Introdução
A literatura jurídico-constitucional é extremamente escassa no que tange ao conteúdo jurídico do princípio do Estado Laico, que, quando muito, costuma ser citado vagamente, quando não ignorado. O enfoque que costuma ser dado no que tange às relações entre Estado e religiões costuma ser a liberdade religiosa (que sem dúvida é um dos aspectos da laicidade estatal). À exceção de artigos esparsos, não há uma literatura jurídica consolidada sobre o tema.
Ademais, no Brasil a questão do respeito ao Estado Laico costuma ser invocada pelos seus defensores unicamente em questões pontuais, como a presença de adornos religiosos em órgãos públicos, criação/existência de feriados religiosos e custeio de despesas de eventos religiosos. Contudo, ao se oporem (diga-se, corretamente) a tais questões, os defensores do Estado Laico costumam meramente invocar o respeito à laicidade estatal sem, contudo, trazerem uma conceituação abstrata do referido princípio. Limitam-se a dizer que tais posturas afrontam o caráter laico do Estado, mas não explicitam qual seria o conteúdo jurídico do princípio do Estado Laico a embasar suas colocações.
Assim, o presente trabalho serve como contribuição à delimitação do conteúdo jurídico do princípio da laicidade estatal, de forma abstrata, com o fim de se poder apurar, em casos concretos, se dito princípio foi ou não efetivamente afrontado.
Aponte-se, apenas, que deliberadamente não enfrentarei temas específicos – como a presença de crucifixos/símbolos religiosos em estabelecimentos públicos, custeio de despesas de Instituições Religiosas e mesmo do Chefe da Igreja Católica em visitas oficiais ao Brasil e das concordatas (tratados firmados com o Estado do Vaticano), embora adiante minha conclusão no sentido de que todas essas questões são inconstitucionais por afronta ao princípio da laicidade estatal, por caracterizarem inequívoca aliança do Estado Brasileiro com a religião em questão. Mas, como cada tema merece considerações próprias que tornariam este artigo demasiadamente grande, prefiro tratar deles em trabalho diverso.
2. O que significa "Estado Laico"?
Cumpre, inicialmente, indagar o que significa a laicidade para, em seguida, apurar-se o conteúdo jurídico do princípio do Estado Laico. Mas, primeiramente, vejamos a classificação dos Estados de acordo com a sua relação com as religiões.
Estado Teocrático é aquele em que há confusão entre o Estado e religião, no sentido em que a religião adotada decidirá os rumos da nação – o termo decidirá é proposital, pois nas teocracias não há mera influência da religião nos rumos políticos e jurídicos do Estado, mas efetiva determinação no sentido de que os dogmas religiosos efetivamente pautarão as políticas estatais e as relações privadas. É o caso dos Estados Islâmicos. São Estados totalitários no que tange à religião e à moralidade, visto que não admitem nada que não esteja em absoluta sintonia com os dogmas da religião que se confunde com o Estado.
Estado Confessional é aquele que, embora não se confunda com determinada religião, possui uma religião oficial que pode influir nos rumos políticos e jurídicos da nação, além de possuir privilégios não concedidos às demais. Foi o caso do Brasil Imperial, cuja Constituição definiu a religião católica apostólica romana como religião oficial do país.
Estado Laico é aquele que não se confunde com determinada religião, não adota uma religião oficial, permite a mais ampla liberdade de crença, descrença e religião, com igualdade de direitos entre as diversas crenças e descrenças e no qual fundamentações religiosas não podem influir nos rumos políticos e jurídicos da nação. É o que se defende ser o Brasil sob a égide da Constituição Federal de 1988, em razão de seu art. 19, inc. I, vedar relações de dependência ou aliança com quaisquer religiões.
Estado Ateu é aquele que adota a negação da existência de Deus como doutrina filosófica e, portanto, não aceita que seus cidadãos manifestem suas crenças religiosas. Trata-se de um totalitarismo que se encontra no extremo oposto do totalitarismo teocrático: enquanto neste exige-se que todos façam parte e respeitem os dogmas da religião da instituição religiosa que se confunde com o Estado, naquele exige-se que todos não tenham nem professem nenhuma crença teísta. É o caso da China.
Assim, tem-se que laicidade é a doutrina filosófica que defende e promove a separação entre Estado e religião ao não aceitar que haja confusão entre o Estado e uma instituição religiosa qualquer, assim como não aceitar que o Estado seja influenciado por determinada religião.
A doutrina laica surgiu ou se fortaleceu em virtude dos abusos estatais cometidos em nome de crenças religiosas, como ocorrido na Idade Média, quando a Igreja Católica Apostólica Romana impunha seus dogmas a todos, sob pena inclusive de fogueira em casos que julgasse mais graves (através de julgamentos canônicos realizados pelo Tribunal da "Santa" Inquisição, o que fez com que se denomine este período histórico como "Idade das Trevas").
Deve-se ter em mente, contudo, que o Estado Laico não é um Estado Ateu, pois este proíbe toda e qualquer crença teísta, exigindo que todos sejam descrentes (que não acreditem em nenhuma crença teísta), ao passo que aquele permite que as pessoas escolham a crença teísta que lhes faça melhor sentido ou então que não adotem crença teísta nenhuma, sendo, portanto, descrentes, ateus.
Assim, pensado abstratamente, sem análise da forma de sua positivação pela ordem constitucional concreta (tema da maior relevância, como se mencionará no próximo tópico), o princípio da laicidade estatal impõe que o Estado: (i) não se confunda com nenhuma instituição religiosa, (ii) não institua nenhuma religião oficial; (iii) trate igualmente as diversas crenças e descrenças e, especialmente, (iv) não aceite fundamentações religiosas para definir os rumos políticos e jurídicos da nação.
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Link para o texto completo, em três partes:
Como citar o texto:
NBR 6023:2002 ABNT
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Tomemos a sério o princípio do Estado laico. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1830, 5 jul. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11457>. Acesso em: 17 fev. 2012.
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