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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Crônica e Ovo

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Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas
me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...

(Quintana, Poema)

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Já me perguntaram se a diferença entre um conto e uma crônica é o tamanho, ou a complexidade, ou mesmo se a crônica não seria apenas um conto engraçado. A etiologia do termo o associa ao tempo (latim chronus), o que sugere um relato em ordem temporal, cuja narrativa se desenvolve segundo a ordem que a história se sucede no tempo. Tio Toninho, com propriedade, define assim o verbete:

6. Rubrica: literatura. Texto literário breve, em geral narrativo, de trama quase sempre pouco definida e motivos, na maior parte, extraídos do cotidiano imediato.
7. Derivação: por extensão de sentido. Rubrica: literatura. Prosa ficcional, relato com personagens e circunstâncias alentadas, evoluindo com o tempo.
(Dicionário eletrônico Houaiss)

Entretanto, há definições (ou indefinições) mais saborosas. Esta que reproduzo a seguir, nascida da pena irônica e criativa de Luis Fernando Veríssimo, usa o dielma do ovo e da galinha para esclarecer definitivamente (..?) a questão. Saboreiem.

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Crônica e Ovo

A discussão sobre o que é, exatamente, crônica, é quase tão antiga quanto aquela sobre a genealogia da galinha. Se um texto é crônica, conto ou outra coisa interessa aos estudiosos de literatura, assim como se o que nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha, interessa aos zoólogos, geneticistas, historiadores e (suponho) o galo, mas não deve preocupar nem o produtor nem o consumidor. Nem a mim nem a você.

Eu me coloco na posição da galinha. Sem piadas, por favor. Duvido que a galinha tenha uma teoria sobre o ovo, ou, na hora de botá-lo, qualquer tipo de hesitação filosófica. Se tivesse, provavelmente não botaria o ovo. É da sua natureza botar ovos, ela jamais se pergunta "Meu Deus, o que eu estou fazendo?" Da mesma forma o escritor diante do papel em branco (ou, hoje em dia, da tela limpa do computador) não pode ficar se policiando para só "botar textos que se enquadrem em alguma definição técnica de "crônica”.

Há uma diferença entre o cronista e a galinha, além das óbvias (a galinha é menor e mais nervosa). Por uma questão funcional, o ovo tem sempre o mesmo formato, coincidentemente oval. O cronista também precisa respeitar certas convenções e limites, mas está livre para produzir seus ovos em qualquer formato. Nesta coleção, existem textos que são contos, outros que são paródias, outros que são puros exercícios de estilo ou simples anedotas e até alguns que se submetem ao conceito acadêmico de crônica. Ao contrário da galinha, podemos decidir se o ovo do dia será listado, fosforescente ou quadrado.

Você, que é o consumidor do ovo e do texto, só tem que saboreá-lo e decidir se é bom ou ruim, não se é crônica ou não é. Os textos estão na mesa: fritos, estrelados, quentes, mexidos... Você só precisa de um bom apetite.

Luis Fernando Veríssimo

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(Prefácio de O nariz e outras crônicas, Para gostar de ler, volume 14)
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