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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Brincando com palavras

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Desenho de Manoel de Barros (fonte)
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"Tenho gosto de lisonjear as palavras ao modo que o
Padre Vieira lisonjeava. Seria uma técnica literária
do Vieira? É visto que as palavras lisonjeadas se
enverdeciam para ele. Eu uso essa técnica. Eu
lisonjeio as palavras. E elas até me inventam. E elas
se mostram faceiras para mim. Na faceirice as palavras
me oferecem todos os seus lados. Então a gente sai
a vadiar com elas por todos os cantos do idioma.
Ficamos a brincar brincadeiras e brincadeiras. Porque
a gente não queria informar acontecimentos. Nem
contar episódios. Nem fazer histórias. A gente só
gostasse de fazer de conta. De inventar as coisas
que aumentassem o nada. A gente não gostava de fazer
nada que não fosse de brinquedo. Essas vadiagens pelos
recantos do idioma seriam só para fazer jubilação
com as palavras. Tirar delas algum motivo de alegria.
Uma alegria de não informar nada de nada.
Seria qualquer coisa como a conversa no chão entre
dois passarinhos a catar perninhas de moscas. Qualquer
coisa como jogar amarelinha nas calçadas. Qualquer coisa
como correr em cavalo de pau. Essas coisas. Pura
jubilação sem compromissos. As palavras mais faceiras
gostam de inventar travessuras. Uma delas propôs que
ficássemos de horizonte para os pássaros. E os pássaros
voariam sobre o nosso azul. Eu tentei me horizontar
às andorinhas. E as palavras mais faceiras queriam
se enluarar sobre os rios. Se ficassem prateadas sobre
os rios falavam que os peixinhos viriam beijá-las.
A gente brincava no prateado das águas. A mais pura
jubilação!"
Manoel de Barros, Memórias Inventadas - A Terceira Infância; Planeta, 2010
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