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(Inspirado em Marcos Bagno; A língua de Eulália. Contexto, 2008).
Primeiro, uma breve análise fonética:
“VELHO” = cinco letras, quatro fonemas: V – consoante constritiva fricativa + E – vogal aberta + LH (/l/) – consoante constritiva lateral + O (/U/) – vogal reduzida.
Ocorre que em determinadas falas do português não-padrão o som consonantal de ‘LH’ – representado por /l/ (lambda) – simplesmente não existe, assim como não existe no português-padrão a consoante ‘TH’ típica do inglês (como em thing, ou como no ceceio, a deficiência da fala em que se pronuncia o S com a língua entre os dentes). Assim, não é raro ouvir-se por aí a pronúncia véio em vez de velho. Hoje em dia a garotada costuma se tratar por véio, ao que torcem o nariz os puristas, mas o uso deste yeísmo – como ao fenômeno se refere a linguística – é mais antigo. No Cuitelinho, por exemplo, o uso do yeísmo é comum (ver Plural: uma redundância?). Na canção, troca-se ‘falha’ por faia, ‘espalha’ por espaia, ‘batalha’ por bataia, ‘parentalha’ por parentaia e 'atrapalha' por atrapaia, o que contribui para a riqueza lírica do poema e traduz fielmente o jeito de falar natural de uma região e de um povo.
Todavia, e como qualquer outro fenômeno linguístico, o yeísmo também possui a sua lógica. Antes de ser um efeito (ou defeito, para os puristas) regional e popular, é notadamente histórico, fruto da evolução natural da língua, tal como ocorre no rotacismo e na supressão dos plurais. No castelhano, também derivado do latim vulgar, a conversão do fonema /l/ em ‘I’ é comum em certas regiões da Espanha, na América Central e Caribe, bem como em muitos países sul-americanos. Nessas regiões e países, a palavra caballo, cuja pronúncia dita padrão é ‘cabalho’, converte-se em ‘cabaio’. Muito embora os habitantes da região de Castela, a ‘pátria’ do castelhano, considerem tal jeito de falar como um “defeito”, na França a evolução se consolidou. Na pátria de Baudelaire, Balzac e Flaubert o ‘LH’, lá escrito ‘ILL’, definitivamente cedeu seu espaço para o ‘I’. Observe-se o quadro comparativo (clique e amplie):
(modificado de Bagno, Marcos; A língua de Eulália. Contexto, 2008)
Sob o ponto de vista estrutural linguístico, Heinrich Lausberg explica o fenômeno na língua francesa:
“Por afrouxamento e, finalmente, abandono da oclusão central, forma-se do /l/ (difícil de pronunciar por causa da elasticidade reduzida do dorso da língua) muito naturalmente a fricativa /y/ como em francês, espanhol popular e dialetal”.
(LAUSBERG, H. Linguística românica. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. p. 71. In: BAGNO, Marcos. A língua de Eulália. Contexto, 2008, p. 59.)
Trocando em miúdos, é mais fácil pronunciar ‘I’ do que ‘LH’. E como ambos os sons são produzidos com o dorso da língua no palato, ocorreu, naturalmente, o fenômeno da assimilação, isto é, a proximidade da estrutura fonética combinada à comodidade, converteu /l/ em /y/ no idioma francês, oficialmente.
Qual seria, então, o motivo para que o mesmo não ocorra na Espanha ou no Brasil, isto é, a oficialização do fenômeno na língua formal? Para essa pergunta a resposta não é linguística, mas histórica, política e social: na França dos fins do século XVIII, um importante evento retirou do poder a aristocracia, a nobreza e o clero, adeptos do LH como marca de distinção. Os burgueses, até então ridicularizados e desprezados por causa da sua pronúncia ‘errada’ – exatamente como ocorre no Brasil com os falantes do português não-padrão – subiram ao poder. Daí até a extinção de uma forma e a fixação da outra, poucas décadas foram necessárias.
(Na próxima postagem, o fenômeno linguístico da assimilação)
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Como boa mineira que sou, adoro um yeísmo. (E adoro os teus textos!)
ResponderExcluir;)
::)))))))
ResponderExcluirComo sempre babando pelos seus textos!
Sou sua fã incondicional...
Você é SHOW DE BOLA.PARABÉNS!
Não me procure para me achar, procure-me para se perder comigo!!!
BJG.
Também sou fã, Preta.
ResponderExcluirBgd
♥!
Obrigado, Anônimo.
Parabéns pelo texto, estou escrevendo em meu blog, sobre preconceito linguístico.
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