sábado, 24 de fevereiro de 2018

Minibiografia compacta e reduzida

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Prólogo

Como todo bom escritor (“bom” aqui significando “ordinário”), num arroubo de presunção certo dia decidi escrever uma biografia. Empreitada fadada ao insucesso. Não tanto pela falta de perícia quanto pela falta de assunto. Desisti, obviamente, quando ainda falava das fraldas de pano dos meus tempos de bebê.
Todavia, a experiência deixou acesa uma pequena chama. A luz tremeluzente desta chispa está aí, a seguir, sob a forma de um breve resumo que, presumo, enverga as dimensões proporcionais ao interesse do e no biografado.

Advertência: esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança comigo é mera coincidência. Eu juro.

Nasci numa família. Pois é, desde o começo já estava fadado a ser um cara muito normal. Minha família também era muito normal. Meus pais eram pessoas normais, com empregos normais, que faziam sexo normal quase todo mês. E eram tão classe média que tiveram 2,8 filhos.
Como não poderia deixar de ser, tive uma infância muito normal, tanto que não há muito o que falar sobre ela.
Vamos pular logo para a adolescência.
Minha primeira experiência sexual foi precoce. Foi com uma vizinha, só que ela não sabe disso até hoje (eu estava bem escondido). Na verdade, minha iniciação sexual foi tardia, mas por opção – delas, obviamente.
Virei adulto. Um adulto... pasmem... muito normal. Primeiro resolvi ser funcionário público. Depois resolvi casar. Então resolvi ter filhos. Claro que de vez em quando resolvia tomar uma cervejinha com os amigos. Cinema também, de vez em quando.
Aí, um dia, aposentei. Tinha planejado um monte de coisas para fazer depois da aposentadoria, mas não deu tempo. Morri de infarto. No enterro, choveu e ventou. Não tinha muita gente, mas nem era tão pouco. A família mandou fazer uma lápide. Nela, mandaram gravar meu nome, data de nascimento e de passamento em letras médias, tipo courier, sem rebusques. Assim, bem normal. Se eu pudesse escolher, teria mandado gravar carpe diem.

 

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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Ausência

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foto do autor
















Hora imensa, como imenso é o vazio de palavras
Só esse vento a semear silêncio
Sobre a epiderme, a querência desta lavra
Só esse vento...
Que afaga a lâmina da pele, deserta de afagos
E beija a boca deserta de beijos
Que gela o olfato deserto de aromas
(E eu que desejava mais um trago…)


Incertamente, não se sabem ausentes
Língua de sinais distantes, dormentes
No vão da mente atordoada multidão de pensamentos
Alguns não se sabem… atordoadamente
Outros escapam, subterraneamente
Como num sonho consciente
E se vão…
E voltam vazios
Sombrios e vadios


A imensidão volta a zumbir no ouvido médio
- o som desse silêncio é lâmina pungente! –
Ferida aberta sem remédio,
É hora, então, de acabar com essa dor latente…

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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Misantropo

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Misantropo

Máquina metálica, mortífera máquina!
Mandíbulas moventes, mordazes mandíbulas
Maceram mentes, mitológicas mentes metafóricas
Moderno Moloque – mórbido, morbífico, mortal…
Magníficas metrópoles: mesma miséria
Máscaras mímicas maniqueístas
Monstruosas máscaras!
Mestres minúsculos manipulam multidões
Meninos metamórficos massacram mil, milhares
Miríades, milhões…
Mentes mecânicas maneiam memórias moídas,
Mínimas memórias meneiam – Meme, Momo, Mnemosine…
Mãos mecânicas manipulam mágicas,
Métricas mentiras manuseiam.
Máximos mistérios?…
Mero Morfeu mercenário
Mínimos momentos,
Mortalhas
Mortais
Morte…
(Merda!)


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