quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Em terra de olho quem tem um cego, errei

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Meio que foda-se é inteiro
Porque o inteiro é só metade
...se muito


Hoje eu estou muito feliz, velho
Tenho um brilho no olhar que...
opa, apagou
Agora estou triste, velho...
abóboras


Dizem que sou louco
Mas louco não é o predicativo
É o sujeito indeterminado


Poesia é assim assada...
Ou ela fica crua
Ou passa fácil do ponto


A tua ferida purga
A minha é pulga
Entomologia, porra!

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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

sexta-feira, 16 de março de 2018

A alma do bicho

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Nota

Este é um ensaio de pura reflexão sobre um determinado modelo de produção – na minha opinião suicida, no médio ou no longo prazo.
Não pretendo apontar alternativas ou sugerir soluções – não creio haver alguma realmente eficaz e viável.

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Para o homem primitivo, os deuses eram visíveis. Suas divindades eram o Sol, o Oceano, o Trovão, além de uma grande variedade de animais  os quais hoje temos como nossos “inquilinos”, pois passamos a nos julgar os donos do planeta.

O homem primitivo era, portanto, um sábio! Ele sabia reconhecer no poder da natureza a sua própria insignificância, e era capaz de vislumbrar sob a carcaça selvagem de um bicho qualquer uma centelha, a mesma que, quando em nós, damos o nome de “alma”.

Durante milênios, e desde os primórdios, homens e animais foram parceiros... ou inimigos mortais – sempre com respeito, em ambos os casos. A revolução agrícola se fez pela tração de bois e anos, batalhas se travaram sobre o dorso de corcéis, o alimento proteico nutriu o cérebro a partir do sacrifício de incontáveis exemplares de muitas espécies – e o fez desenvolver precisamente para subjugá-las. Mesmo no campo afetivo, seres humanos vêm recolhendo há milênios o afeto irracional e incondicional dos bichos de estimação, de um modo que seu próprio semelhante é incapaz de oferecer.

E quanto aos tempos pós-modernos? O que há de novo nessa relação tão antiga quanto paradoxal? Muitos animais certamente ainda nos são muito úteis, outros são pragas devastadoras, parasitas mortais. Desfrutamos ainda da companhia de muitos deles com carinho comedido – ou com despropositado exagerado, às vezes.

Todavia, é deveras incômodo, desde que se possua uma fagulha do antigo respeito, os bichos enclausurados, confinados, cerceados ao longo de sua curta existência de tudo o que lhe é natural, com o único objetivo de servir de matéria-prima à poderosa indústria alimentícia, ávida em atender à demanda crescente da superpopulação planetária.

Currais imensos, repletos de dezenas de milhares de reses malsãs, lá estão para responder à avidez irrefreável pelo hambúrguer nosso de cada dia. Viveiros insalubres, forrados de aves desnaturais, existem para atender diuturnamente à vertiginosa produção de uns ovos desbotados, de uns empanados de composição indecifrável. Depósitos enormes, infernos fecais insalubres, acolhem multidões de porcos imunodeprimidos para suprir as mesas com o nutritivo café da manhã tão apreciado lá pelo norte do continente, e tão imitado por aqui.

Neste exato momento estão assim encarcerados em depósitos morbíficos, sob o bochorno do metano a desprender da matéria fecal, sujeitos a uma inaudita promiscuidade bacteriana e viral a transitar entre os organismos enfraquecidos, sob a égide do lucro e com a nução do mercado, um número incalculável desses entes animais, os antigos deuses...

E assim permanecerão, enquanto houver demanda, enquanto o modelo míope de produção capitalista assim ordenar.

Ao menos até o dia em que a natureza se sublevar.

Aí então talvez um vírus... uma gripe... uma mutação...















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quinta-feira, 15 de março de 2018

Primeiro você

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– Por favor, doutor.
– Imagina, primeiro você.
– Não, eu insisto...
– Não, quem insiste sou eu, por favor.
– De jeito nenhum. O senhor tem preferência.
– Mas por que eu teria preferência?
– O senhor é mais distinto, é doutor...
– Ah, é por causa do terno! Imagina. Aliás, nem doutor eu sou. Sou um humilde advogado.
(A-han, sei...)
– De jeito nenhum, você é mais velho: depois de você.
– Vixe, será que eu sou mesmo? Essa roupa de faxineiro engana, viu...
– Ah, que isso. Não se ponha nessa posição.
– Não me ponho, não. Já estou nela desde que eu nasci. Já o senhor...
– Já eu o quê? Só porque sou advogado você acha que nasci em berço de ouro?
– De ouro não, mas em berço. Ou melhor, numa cama de maternidade particular e logo levado para um bercinho bacana, não foi?
– Hum
– Pois então. Já eu nasci numa esteira suja e velha esticada no chão de terra batida, lá em casa mesmo. Se é que podia chamar aquilo de casa...
– Puxa, lamento saber, de verdade... E até por isso insisto: primeiro você.
 – Até por isso!? O doutor acha que me dando a vez na porta vai compensar essa vida miserável. Enquanto que a do senhor, né...
– A minha o quê, rapaz? Já te disse, não nasci em berço de ouro, também venho de família humilde.
– Sim, mas de família. Já eu nem pai tive.... Aliás tive uns três, um pior que o outro. Irmão, aí foi uma penca. Nem sei quantos direito, mas que criou foi oito. Dos que criou, uns morreram de morte matada e outros tão preso. Minha mãe, coitada...
– Olha, sinto muito de verdade. Me desculpe, mas de qualquer modo eu quero te dar a preferência. É uma questão de respeito, de cortesia...
– “Sinto muito de verdade”? “Cortesia”? Essa aí pode até ser, mas “respeito”?! Aff, fala sério, homem! O senhor vai é se sentir melhor, né? Consciência tranquila, se mostrando que é boa gente... apesar de tudo...
– Apesar do quê, rapaz? Agora já tá apelando, tu nem me conhece!
– Conheço o tipo. Empinado, orgulhoso, trata os de baixo daquele jeito... é... como é que é que fala mesmo...
– Condescendente.
– Ó, tá vendo, o senhor sabe.
– Não, eu só... olha, chega de palhaçada. Vamos fazer uma coisa, a gente tira no par ou ímpar, daí quem ganhar...
– Par!
– Ímpar! Ganhei, você primeiro.
– Uai, mas o doutor ganhou, o doutor passa primeiro.
– Não. Eu ganhei, eu escolho: você primeiro.
– Vô não. E ó, quer saber o que mais? O senhor, sua maternidade, seu diploma, seu terno, vão tudo à.... – quando alguém grita lá do fim da fila:
– Vocês aí na merda da porta, ou caga ou sai da moita!

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quarta-feira, 7 de março de 2018

Rosalind Franklin: se o mundo não fosse machista, você saberia quem foi ela

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Em um mundo menos injusto, muitas mulheres, excepcionais, corajosas e pioneiras, seriam hoje lembradas e reverenciadas como deveriam.
Sem dúvida, a biofísica Rosalind Franklin (Reino Unido, 1920-1958) seria uma delas.


A cientista que teve suas descobertas - além do próprio Prêmio Nobel - usurpadas por dois homens (bastante famosos, a propósito) inaugurou um novo capítulo na história da biologia molecular. Um marco importante nos estudos do DNA - a Fotografia 51, uma nítida exposição da estrutura de dupla hélice da molécula - é mérito seu.Entretanto, como explica Marisa Kohan em seu artigo Mujeres que Cambiaron la Ciencia, Aunque no te Suenen Sus Nombres (Mulheres que Mudaram a Ciência, Embora Você Não Saiba Seus Nomes), durante muitos anos os cientistas James Watson e Francis Crick reivindicaram essa descoberta e levaram os méritos - inclusive o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1962.A descoberta entrou para a história como “A Hélice de Watson”, e Rosalind Franklin morreu, aos 37 anos, de um câncer provocado por suas longas exposições à radiação sem receber o justo reconhecimento.Anos depois da morte da pesquisadora, James Watson confessou ter recebido o Nobel graças às descobertas de Franklin, a verdadeira cientista por trás da Fotografia 51.......



sábado, 3 de março de 2018

O tanto que eu te quero, o pouco que eu te tenho

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Te tenho apenas na medida de um querer possível
Assim como se tem na pele esse desejo... demasiado leve
Como se tem na boca um novo beijo... menor que breve
E do sol de um fim de tarde
Só um calor que mal na face arde

Te quero apenas como posso ter – e sou sincero
Se a mim de nada é permitido ter certeza
Do amor não ter a justa idéia ou a clareza
Nem nessas rimas pobres a Beleza...

Então, se às vezes eu (que sou teu) me desespero
É por (talvez) não ter o seu querer...
na proporção do tanto que eu te quero


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sábado, 24 de fevereiro de 2018

Minibiografia compacta e reduzida

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Prólogo

Como todo bom escritor (“bom” aqui significando “ordinário”), num arroubo de presunção certo dia decidi escrever uma biografia. Empreitada fadada ao insucesso. Não tanto pela falta de perícia quanto pela falta de assunto. Desisti, obviamente, quando ainda falava das fraldas de pano dos meus tempos de bebê.
Todavia, a experiência deixou acesa uma pequena chama. A luz tremeluzente desta chispa está aí, a seguir, sob a forma de um breve resumo que, presumo, enverga as dimensões proporcionais ao interesse do e no biografado.

Advertência: esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança comigo é mera coincidência. Eu juro.

Nasci numa família. Pois é, desde o começo já estava fadado a ser um cara muito normal. Minha família também era muito normal. Meus pais eram pessoas normais, com empregos normais, que faziam sexo normal quase todo mês. E eram tão classe média que tiveram 2,8 filhos.
Como não poderia deixar de ser, tive uma infância muito normal, tanto que não há muito o que falar sobre ela.
Vamos pular logo para a adolescência.
Minha primeira experiência sexual foi precoce. Foi com uma vizinha, só que ela não sabe disso até hoje (eu estava bem escondido). Na verdade, minha iniciação sexual foi tardia, mas por opção – delas, obviamente.
Virei adulto. Um adulto... pasmem... muito normal. Primeiro resolvi ser funcionário público. Depois resolvi casar. Então resolvi ter filhos. Claro que de vez em quando resolvia tomar uma cervejinha com os amigos. Cinema também, de vez em quando.
Aí, um dia, aposentei. Tinha planejado um monte de coisas para fazer depois da aposentadoria, mas não deu tempo. Morri de infarto. No enterro, choveu e ventou. Não tinha muita gente, mas nem era tão pouco. A família mandou fazer uma lápide. Nela, mandaram gravar meu nome, data de nascimento e de passamento em letras médias, tipo courier, sem rebusques. Assim, bem normal. Se eu pudesse escolher, teria mandado gravar carpe diem.

 

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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Ausência

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foto do autor
















Hora imensa, como imenso é o vazio de palavras
Só esse vento a semear silêncio
Sobre a epiderme, a querência desta lavra
Só esse vento...
Que afaga a lâmina da pele, deserta de afagos
E beija a boca deserta de beijos
Que gela o olfato deserto de aromas
(E eu que desejava mais um trago…)


Incertamente, não se sabem ausentes
Língua de sinais distantes, dormentes
No vão da mente atordoada multidão de pensamentos
Alguns não se sabem… atordoadamente
Outros escapam, subterraneamente
Como num sonho consciente
E se vão…
E voltam vazios
Sombrios e vadios


A imensidão volta a zumbir no ouvido médio
- o som desse silêncio é lâmina pungente! –
Ferida aberta sem remédio,
É hora, então, de acabar com essa dor latente…

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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Misantropo

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Misantropo

Máquina metálica, mortífera máquina!
Mandíbulas moventes, mordazes mandíbulas
Maceram mentes, mitológicas mentes metafóricas
Moderno Moloque – mórbido, morbífico, mortal…
Magníficas metrópoles: mesma miséria
Máscaras mímicas maniqueístas
Monstruosas máscaras!
Mestres minúsculos manipulam multidões
Meninos metamórficos massacram mil, milhares
Miríades, milhões…
Mentes mecânicas maneiam memórias moídas,
Mínimas memórias meneiam – Meme, Momo, Mnemosine…
Mãos mecânicas manipulam mágicas,
Métricas mentiras manuseiam.
Máximos mistérios?…
Mero Morfeu mercenário
Mínimos momentos,
Mortalhas
Mortais
Morte…
(Merda!)


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