quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Ovo da Serpente

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Ao longo da História, com raros e breves hiatos, o homem sempre foi um ser beligerante. Até o século XIX – e especialmente nele – a beligerância esteve de tal modo arraigada no assim chamado “mundo civilizado” que era quase impossível dissociá-lo, o "mundo civilizado", do fenômeno da guerra. Aquelas eram nações imperialistas, militarizadas, construídas pelo poder das armas. Aquele era um tempo em que se renegava o frágil e o sensível em detrimento do heroísmo e da força. Bismarcks, Víctor-Emanuéis, Napoleões-Terceiros, Romanovs, eram os corifeus de então.

Todavia, no seio do seu núcleo social, esse mesmo homem oitocentista cultivava a cortesia, o refinamento, o cavalheirismo, o galanteio. O século XIX é conhecido pelo espírito artístico e contemplativo dos seus notáveis. O sentimento de honradez, o rigor moral, as regras sociais, praticavam-se como valores inerentes à ética daquele homem, dito digno e culto (ainda que de modo superficial, dissimulado, hipócrita, no domínio das aparências).

O século XX, breve e sobressaltado, traria duas guerras de proporções inéditas. A reboque delas, a bomba H, a tecnologia, a imagética, o individualismo. Se por um lado o homem, receoso do próprio potencial destrutivo, procura reconhecer sua fragilidade, por outro lado ele se isola. Enquanto a revolução tecnológico-científica se consolida e o pós-guerra reinaugura o mundo, as novas guerras se travestem de “santas”, de "culturais", de "sociais". E já não estão restritas ao campo de batalha...


O “animal político” aristotélico, depois “racional” pelos cartesianos, converte-se em “animal assustado”. É um bicho acuado pelos próprios artifícios, ameaçado pelo próprio medo. O homem já não se reconhece no outro, seu igual, medida de si próprio. Ao contrário, o outro é a ameaça.

Ao isolamento segue-se o estranhamento; a este, a misantropia. Em tempos de individualismo e egoísmo viscerais, qualquer valoração da vida (especialmente a do outro) carece de elementos significadores. O banal é a palavra de ordem. A indiferença à alteridade se atrela ao isolamento. A empatia é o medo. Eis o “Ovo da Serpente” *, guardado e velado pela Serpente, cuja casca fina e diáfana exibe no interior... a Serpente que será parida.

Século XXI… Um menino de dez anos que será, possivelmente, tão longevo quanto os outros, certamente é precoce como nenhum. Quanto a estes tempos, quando a serpente já eclodiu, só se pode tergiversar... e ter fé no melhor acaso.
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O Ovo da Serpente é um filme de 1977 escrito e dirigido por Ingmar Bergman, estrelado por David Carradine e Liv Ullmann

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