segunda-feira, 9 de maio de 2011

Quem é esse Pessoa?

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Do blog Livros Abertos, um registro de insatisfação ante o uso leviano e vulgar que se faz da obra de Fernando Pessoa sob a forma de "citações" em sites duvidosos, e-mails e redes sociais (aqui o artigo completo).
Compartilho o desabafo.
E destaco referência feita, no ensaio, à obra mais representativa do poeta, escrita por seu heteronômio mais fiel. O Livro do Desassossego*, pródigo em citações e excertos, empresta alguns deles ao artigo.
Acrescento os que se seguem (e com garantia de origem):

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Haja ou não haja deuses, deles somos servos. (trecho 21, página 56)

Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela. A arte, se nos liberta dos manipansos assentes e abstratos, também nos liberta das idéias generosas e das preocupações sócias, manipansos também. (trecho 34, página 66)

Sinto-me às vezes tocado, não sei porquê, de um prenúncio de morte... Ou seja, uma vaga doença, que não se materializa em dor e por isso tende a espiritualizar-se em fim, ou seja, um cansaço que quer um sono tão profundo que o dormir não lhe basta (...).
Considero então que coisa é esta que chamamos de morte. Não quero dizer o mistério da morte, que não penetro, mas a sensação física de cessar de viver. (...)
A mim, quando vejo um morto, a morte parece-me uma partida. O cadáver dá-me a impressão de um trajo que se deixou. Alguém se foi embora e não precisou levar aquele fato único que vestia. (Trecho 40, página 71)

Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, ou outro, como a realidade do nada. Não tenho esperanças nem saudades. (...) Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.
Breve sombra escura de uma árvore citadina, leve som de água caindo no tanque triste, verde relva regular – jardim público ao quase crepúsculo -, sois, nesse momento, o universo inteiro para mim, pois sois o conteúdo pleno da minha sensação consciente. (Trecho 100, página 129)

Escrever é esquecer. A literatura é maneira mais agradável de ignorar a vida. (trecho 116, página 140)

Tudo quanto o homem exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos. (trecho 148, página 164)

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(*) PESSOA, Fernando. Livro do desassossego : composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Companhia de Bolso, 1ª reimpressão, São Paulo, 2006.
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2 comentários:

Mariê disse...

Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Luis Fernando Verísssimo...

Todos vítimas dessas citações bizarras às quais querem (por engano ou por vontade) dar uma assinatura famosa. Recebo cada uma às vezes, que até dói.

Estes que você colocou são lindíssimos! Nunca me animei a ler o Pessoa, mas que sabe, um dia...


♥♥

Marcello disse...

Quem sabe...

Temos alguns Pessoas ao alcance de uns (trôpegos) passos.